A Áspera Inocência

Por Alexandre Viana Rocha

Código do livro: 372340

Categorias

Literatura Nacional, Romance, Psicológico, Aventura, Ficção e Romance, Ficção

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Sinopse

Entre os anos de 1979 e 1985, uma das mais terríveis secas devastara o nordeste brasileiro, reduzindo muitas regiões a quadros horrendos de miséria e desolação. Nesse cenário, tendo a seca tanto como simples plano de fundo quanto como inimigo comum de probos e indignos, desenrola-se a perturbadora história de Abrahão Ferrão. Na superfície, o livro discorre sobre o perfil dos indivíduos que, historicamente, imperam sobre essas regiões ignoradas pela República; homens tais cujas índoles não raro figuram no naipe dos insensíveis, corruptos e violentos. Doutro lado, adentramos, através da trajetória existencial de Abrahão, nas profundezas da mente humana, onde ebulam sentimentos tácitos, a espera que uma fenda se abra para que afluam até um coração adusto. O enredo assim penetra a labiríntica psique desse personagem, este tão envolto numa aura de profundo misticismo. Resignado, o menino suporta uma vida taciturna, marcada pela rígida disciplina familiar, onde o pai, à sua maneira bruta, torna-se o principal artífice de sua nebulosa personalidade. O romance abre um pequeno fragmento pelo qual se revela como a atmosfera em que se vive pode facilmente remexer os instintos obscuros represados na mente humana. Ademais, é, em sua essência, um profundo mergulho psicológico na complexa personalidade de seu principal personagem.

Características

Número de páginas 308
Edição 1 (2021)
Formato A5 (148x210)
Acabamento Brochura
Coloração Preto e branco
Tipo de papel Offset 90g
Idioma Português

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Alexandre Viana Rocha

Nasci em Águas Formosas, MG, nordeste de Minas, mas nasci como se lá não tivesse nascido, considero-me, portanto, um águas-formosense natimorto, visto que nenhuma de minhas raízes aprofundou-se no solo triste e miserável da cidade, naquele tempo. Minhas raízes não se encravaram, não consumiram terra alguma; e logo se anteciparam ao tempo, previram dores maiores, misérias mais vastas, desnutrição da honra. Minhas raízes rejeitaram aquilo e, assim, salvaram o meu nascimento. De lá, são vagas as lembranças, e quando assomavam à minha memória fatigada e repulsiva, estão carregadas de tristezas, impregnadas de misérias, de angústias e desonras. Lá, não resistiam os sonhos de menino, e nem ousei os ter; eles morriam precocemente, sob o ronco medonho de um estômago faminto. Os risos foram breves, risos de alegrias frágeis. O que de mim lá restara é minha tristeza, mais nada. Então nos salvamos, salvamo-nos num belo dia, quente e seco, saímos rotos, indignados, tristes e, ao mesmo tempo, felizes — ou talvez apenas resignados. Levantamo-nos impetuosamente, como em fuga da morte, da morte mais desonrosa que pode haver a um homem — a fome. Depois de vivermos ainda um tanto mais de amarguras na capital paulista, fomos recomeçar a história em Lorena, no interior do estado de São Paulo. Em Lorena, também não gozamos de abundâncias; tivemos lá uma vida igualmente modesta, sem excessos. Alcançávamos o suficiente para viver. Era uma vida humilde, porém dentro da dignidade que cabe a todo homem probo. Desta sorte, só no solo dessa cidade, enfim, é que minhas raízes brotariam de fato, espalhar-se-iam, aprofundar-se-iam, e engrossariam, cresceriam, romperiam a terra. Então lá eu brotei aos dez anos de idade, brotei para sempre, para nunca esquecer. É de lá que irrompem minhas maiores alegrias. Lá, meus hinos ainda tocam pelo silêncio das tardes, naquela rua empoeirada. Lá, estão meus acalantos, todos. É de lá que vêm esses perfumes suaves de um passado feliz, que, de repente, surgem em minhas ventas, vindo de não sei onde, como uma façanha da mágica. Lá, colhi grandes amigos, mastiguei as páginas da bela e imaculada infância, essa pequena e breve introdução do paraíso. Lá me encontrei e me biografei antes do tempo. Adotei Lorena como cidade natal, e ela me adotara com todo gosto. A felicidade chegava tão simples, na porta de casa: eu — um menino — descalço, sujo, sem vaidades, uma felicidade santa, felicidade que vinha de dentro e explodia fora, para se espalhar sobre todos aqueles peraltas que ainda compõem minha história. Tudo que sou e que hoje me constitui lá brotara: o amor à palavra, à leitura, à poesia que vive brilhando nos olhos. De lá, dentro de minha solidão quieta e implícita, revesti-me de toda sensibilidade profícua, esta mesmo que tétrica, é daquela cidade comum que advêm toda minha inquietação criativa. Águas Formosas, tão pouco sóis lá contemplei, que, naturalmente, até esqueço que sou mineiro. Vivendo de modo errante há quinze anos no estado de São Paulo, considero-me e sinto-me mais paulista que mineiro. Escrevo desde menino, mas, verdadeiramente, sem nenhuma pretensão à glória, nada maior que a pretensão tão-somente de distrair-me com o poder breve que a escrita me concede. Escrever é um folguedo; uma brincadeira bem agradável, silenciosa às vezes e assaz profícua aos solitários. Talvez seja ela, a literatura, a mais eficaz maneira que encontrei, no decorrer de dias ociosos e taciturnos, para me libertar e ter o domínio sobre mim mesmo. O ato de escrever, assim como todas as formas de criação artística, é, sem dúvida, nossa imortalidade. Desse modo deveria eu pensar sempre. Entretanto, sinceramente, eu sou um tanto que pessimista com tudo que me rodeia, tanto é assim que, ainda hoje, não creio que o que escrevo tenha algum valor literário; o tempo responderá por mim. Se um dia ao menos essas palavras humildes forem memoradas por um só leitor, que seja, ainda que este seja ledor distraído e indolente, direi que valeu a pena escrevê-las e que aquelas noites insones não foram gastas em vão.

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