"O material que o leitor tem em mãos revela o ímpeto intelectual de um jovem pesquisador estreitamente vinculado aos problemas teórico-práticos da segurança pública no Brasil. Suas preocupações ultrapassam os números e a performatividade das políticas para o setor, colocando em primeiro plano um dos problemas fáticos enfrentados cotidianamente por ampla parcela da classe trabalhadora: a violência policial de alta letalidade.
Para abordar o problema, foi necessário um diagnóstico correto que, por sua vez, dependeu da apreensão adequada a respeito da natureza da letalidade policial e de sua materialização nas condições históricas específicas. Para realizar a escavação acerca de tal natureza, o material agora disponível ao público é um convite à reflexão sobre os processos particulares de constituição do modo de produção capitalista no Brasil e a correspondente arquitetura política sintetizada na “doutrina de contrainsurgência”. Tal doutrina, executora de uma lógica do inimigo, concretizou certo dispositivo de verve autocrática destinado a obstruir a efetiva participação da classe trabalhadora e a controlar as expressões das condições de superexploração do trabalho, conforme caracterizou Alex Agra Ramos.
A pesquisa realizada mobilizou representantes do que há de melhor na tradição marxista para a investigação dos processos históricos da América Latina e do Brasil, em particular. No conjunto das arquiteturas analíticas ocorre a especificação da via particular de entificação do modo de produção capitalista que, incompleta e incompletável, estabeleceu uma relação subordinada ao processo global pelo caminho da “integração monopólica” e um “Estado de Contrainsurgência” como guia deste caminho e como resposta às suas precariedades econômicas constitutivas. Esse Estado não operou sem episódios políticos de talhe bonapartista com vistas à antecipação de conflitos internos decorrentes das sempre ameaçadas condições de vida da classe trabalhadora. Considerado esse processo histórico, o alto grau de violência policial aparece, conforme o autor soteropolitano apresenta, como um traço particular da arquitetura institucional da segurança no Brasil na medida em que se constitui como elemento central na “dominação de uma burguesia autocrática” promotora de uma “ordem social” recorrentemente afrontada pelas condições de vida decorrentes da superexploração.
O material reunido em Dispositivo Autocrático de Segurança efetiva a análise contando também com a recuperação de dados importantes sobre a letalidade policial, o inquérito policial e o auto de resistência. A conexão entre esses indicadores revela empiricamente, por um lado, a existência de uma “política de extermínio de inimigos” e, por outro, a forma jurídica que autoriza a imputação criminal preliminar e legitima o extermínio praticado por policiais. Essa evidenciação empírica se explica pelo caráter estrutural da violência policial altamente letal na qualidade de pilar da dominação de classes no Brasil.
Assim, o conjunto dos elementos trazidos pelo autor coloca a discussão em patamar superior, fora das ilusões típicas de um politicismo que considera, entre outras coisas, a violência policial e sua letalidade como um problema em si, decorrente de falhas institucionais passíveis de meros ajustes na própria esfera da política e de suas reciprocidades com a esfera jurídica, quando não reduzido às possibilidades corretivas na ordem da própria disciplina de caserna, na cultura, num etos e em coisas que tais. Sem desprezar as possibilidades de avanços no campo institucional, o autor recupera o resiliente achado científico acerca do nexo – dilatável, porém, inquebrantável – entre economia e política, demonstrando a letalidade da violência policial como expressão de causalidades mais profundas e inacessíveis a incontáveis intelectuais que figuram no debate público brasileiro.
Trata-se, portanto, de material importante na trajetória de um jovem pesquisador que, tendo esta plataforma consolidada em seus primeiros anos de formação, poderá alcançar o debate público a respeito do assunto em tela de modo mais qualificado do que a média. E os leitores do material agora entregue ao público poderão aproveitar um escrito que é mais do que uma mera introdução ao tema na medida em que alimenta de partida o impulso de ultrapassar os níveis mais epidérmicos da realidade – a morada predileta dos que temem escrutinar a natureza das coisas."
Elcemir Paço Cunha - Professor do Departamento de Ciências Administrativas da UFJF. Programa de Pós-Graduação em Administração – PPGAdm/FACC.
" O ineditismo do seu trabalho consiste exatamente na particularidade e na multidimensionalidade que teve o seu caminhar. Ao estar presente em diversos tipos de espaços, não só como pesquisador mas criando relações de humano afeto com os diversos atores, Alex pôde desenvolver uma visão muito particular sobre o tema. Acredito que esse seja o grande trunfo da sua produção em relação às demais e o que a torna tão indispensável para aqueles que desejam se aventurar a seguir o caminho tortuoso das pesquisas nessa área.
O livro enfrenta um tema muito determinante e espinhoso para todos nós: a violência policial no país. São muitas as formas de violência que a população brasileira enfrenta todos os dias, inclusive os próprios policiais, que a suportam dentro e fora das suas corporações. Mas a dimensão institucional e política que toma o tema da violência policial em um país que vítima e ameaça tantos militantes da área de Direitos Humanos, faz com que essa discussão seja enfrentada com certo temor e receio por grande parte dos pesquisadores brasileiros. É imperativo dizer: essa é uma chaga que precisa ser curada na história da nossa democracia, se quisermos efetivar um regime democrático de fato e não apenas de direito. Por isso é tão importante abordar esse tema. Ele interfere diretamente na qualidade de vida da população brasileira e abordá-lo de maneira crítica explicita o tipo de país que nós queremos construir e que seja construído.
Em segundo lugar, a multidisciplinariedade inerente ao tema da Segurança Pública força o pesquisador a buscar sempre uma visão mais ampla da própria pesquisa e a entender toda a rede de relações políticas imbuídas na transformação da área. É por isso que o leitor desta obra encontrará uma passagem por diversas disciplinas, como história, direito penal, direito constitucional, economia, ciência política, sociologia e antropologia. Adentrar em temas como a integração monopólica, a escravidão, o desenvolvimento econômico, as transformações da Constituição Federal foi, sem dúvida, uma obrigação que o autor tomou para si como pesquisador, para que pudesse chegar às conclusões a que chegou. [..]
Não podemos, portanto, reduzir o trabalho ao tema da segurança pública, uma vez que a sua preocupação política aponta para um horizonte muito mais amplo e profundo: a construção da democracia brasileira. E aí é que entra o aspecto de originalidade neste trabalho: ao circunscrever o tema da segurança pública dentro do tema maior da democracia, em uma abordagem que recupera aspectos históricos e econômicos, a obra dá um salto de qualidade porque busca cada vez mais se distanciar dos lugares comuns. Aqui, valoriza-se por completo o aspecto multidisciplinar do tema, ao mesmo tempo em que ele assume a centralidade. Diante desse cenário, ressalto que a capacidade de abstração do autor, tanto na busca das relações de causalidade como na construção de indicadores, foi fundamental para o sucesso da sua pesquisa. A própria criação da categoria Dispositivo Autocrático de Segurança revela que a sua capacidade de abstração foi sobrelevada diante da necessidade de encontrar cada vez mais a profundidade dos diversos campos abordados no trabalho.
Por fim, finalizo frisando o motivo central pelo qual creio que vale a pena a leitura do que segue: a sua originalidade permite expandir nossos campos de pensamento crítico, de forma que mesmo que não concordemos com as conclusões do autor podemos, a partir da crítica a essas conclusões, formular também um pensamento crítico nosso, original. De certo, é possível dizer que a obra, mais do que enriquecer a perspectiva A ou B do debate, enriquece o debate em si, porque lança polêmicas que podem despertar o interesse da sociedade em elucidar as conclusões que nela estão colocadas. A forma com que os dados, argumentos e conclusões são construídos dá uma qualidade relevante a este trabalho do pesquisador, de maneira que todos aqueles que desejam se aventurar na área de pesquisas ferramentais, ainda quando não versem sobre o tema da segurança, têm algo a aprender com a construção metodológica desta obra. O rigor da investigação e a cientificidade da construção das categorias justificam a pretensão e a ousadia do autor em busca da melhor verdade aproximada sobre o tema. Este livro certamente insere-se na categoria de obras com rigor científico.
Encerrando, acredito que o maior motivo para qualquer um ler este trabalho é que a sensibilidade com a qual o tema é abordado traz para o fundo dos nossos corações a necessidade se importar e observar o cenário ao nosso redor. O livro convida os cidadãos a um debate político sobre condições de vida, democracia, violência, polícia , todos esses temas da cidadania, caros e imprescindíveis ao processo civilizatório.
No fim das contas, esta leitura será um grande convite a pensar, mas um convite ainda maior a agir."
- Ricardo Balestreri - Diretor do Departamento de Pesquisa, Análise da Informação e Desenvolvimento de Pessoal em Segurança Pública, do Ministério da Justiça, de 2004 a 2008; e Secretário Nacional de Segurança Pública, do Ministério da Justiça, de março de 2008 a janeiro de 2011.
ISBN | 978-65-001-0792-0 |
Número de páginas | 436 |
Edição | 1 (2020) |
Formato | A5 (148x210) |
Acabamento | Brochura c/ orelha |
Coloração | Preto e branco |
Tipo de papel | Offset 75g |
Idioma | Português |
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