Durante vinte anos instruindo alunos na A∴A∴, venho acompanhando muitos Can-didatos com uma compreensão limitada acerca do yoga. Infelizmente, Aleister Crowley deixou um corpo pequeno de estudo sobre o tema, concentrando-se apenas em um aspecto do pātañjala-yoga, conhecido como o yoga de oito partes ou aṣṭāṅga-yoga. No entanto, existem aspectos da disciplina yogī fundamentais ao desenvolvimento espiritual e nestes vinte anos de instrução tenho me esforçado em orientar de maneira adequada meus alunos, tentando preencher a lacuna deixada por Crowley em suas instruções oficiais para A∴A∴. Nesse processo, eu apresento uma visão mais ampla do yoga.
Quando utilizamos a palavra «yoga», o que nos vem à mente é um conjunto de métodos e técnicas de desenvolvimento: posturas «āsanas», a expansão da capacidade pulmonar e domínio dos alentos internos «prāṇa-nigraha e prāṇāyā-ma», visualizações, meditações etc. Estes são aspectos importantes que lidam com o complexo matéria-energia-mente são tratados como práticas externas do yoga. Contudo, o yoga é muito maior do que qualquer procedimento que tenha sido criado para torná-lo acessível. A tradição postula que o praticante de yoga é aquele que busca pelo autoconhecimento e chama essa pessoa de yogī. Sendo o yogī a pessoa que se preparou para receber o autoconhecimento, entender um pouco mais a natureza do autoconhecimento nos leva a uma compreensão maior do que é o yoga.
Existe um engano muito comum atualmente no uso do termo «yoga». Alguns autores dividem o yoga em função de algumas práticas específicas, nos deixando a impressão de que as atividades do yoga sejam «tipos de yoga» separados uns dos outros. Por exemplo, as atividades devocionais como ir ao templo ou fazer um ritual são chamadas de bhakti-yoga e as meditações são referidas como dhyāna-yoga. Bhakti significa devoção e dhyāna significa meditação, ambos os termos não se referem a um «tipo de yoga», são apenas atividades que compõe o mesmo yoga e para a busca do autoconhecimento as duas atividades são fundamentais.
Se o provérbio diz que o hábito faz o monge, podemos dizer que o que faz o yogī é sua atitude diante das ações «karma-yoga». É sua maneira distinta de ver e perceber a realidade por trás das ações, focando todos os aspectos da vida na busca espiritual. Essa vida de yoga fora amplamente referida na Bhagavadgītā como uma alternativa para as pessoas que desejam continuar inseridas na sociedade, mas com foco direcionado a busca espiritual e é possível encontrar essa mesma doutrina amplamente espalhada nos capítulos de O Livro da Lei, como nessa passagem: Pela vontade pura, desaliviada de propósito, livre do desejo de resultado, é cada caminho perfeito.
Nesse ponto deve haver ainda um esclarecimento. Na mente de muitas pessoas a palavra «yoga» é sinônimo de repressão ou disciplina rígida, austeridade e renúncia. Contudo a tradição provê a opção de se levar uma vida normal, com trabalho, família, filhos etc. Não é necessário reprimir absolutamente nada e a renúncia não está na ação, mas nos frutos da ação. Da mesma maneira, encontramos esse conhecimento em O Livro da Lei: Eis aí! estes são graves mistérios. Pois existem, além disso, meus amigos que são eremitas. Atualmente não pense encontrá-los na floresta ou sobre a montanha; mas em camas de púrpura, acaricia-dos por suntuosas bestas de mulheres com grossos membros, e fogo e luz em seus olhos, e volumes de cabelos flamejantes sobre eles; lá vós devereis encontrá-los. Vós devereis vê-los no governo, em exércitos vitoriosos, em todo modo o prazer; e deve-rão estar neles um prazer um milhão de vezes maior do que isto.
Dessa maneira, uma pessoa de mente mediana ou um não-iniciado faz apenas ação «karma», enquanto que um thelemita, que busca e se prepara para a expressão do autoconhecimento, faz karma-yoga, a ação consciente desprovida do resultado da ação como indicado em O Livro da Lei na passagem acima. Esta é a ação yogī. Vida de Yoga é então uma atitude diante da vida, que envolve dois aspectos: i. a visão ao executar a ação e ii. a visão ao receber o resultado da ação. De acordo com O Livro da Lei, toda ação deve ser executada como um instrumento de preparação para a expressão livre da Verdadeira Vontade. Isso é autoconhecimento.
Dessa maneira, é possível encontrar em O Livro da Lei uma convergência de tradições espirituais. Como nós transportamos esse conhecimento para dentro da Tradição de Thelema? Qualquer ação do nosso dia pode ser usada para isso, como uma oração, onde nos encontramos em harmonia Nuit, que é o próprio universo a nossa volta. É esse oferecimento da ação a Nuit que a torna um instrumento purificador.
Tendo a descoberta e a expressão da Verdadeira Vontade como objetivo, toda ação se torna uma possibilidade para o crescimento natural, que é a fórmula mágica de iniciação na Filosofia de Thelema. Crowley ensina: Iniciação significa Viagem Interior: nada é mudado, ou pode ser mudado; mas tudo é mais verdadeiramente compreendido a cada passo. Nós crescemos através da assimilação, em toda experiência, de cada ponto de vista encontrado, construindo assim uma ampla fundação pela qual podemos compreender o mundo e a nós mesmos. Isso significa que a iniciação não se trata de um processo de mudança, mas de se assumir a Verdadeira Natureza e isso exige profundo autoconhecimento. Em outras palavras, é muito comum que Candidatos no início da jornada procurem por uma mudança. E isso é bom, pois é essa necessidade de mudança que alimenta os primeiros esforços no caminho. No entanto, a experiência mostra que a busca verdadeira não é por mudança, mas para assumir-se como é. A conquista da sabedoria advém do exercício de nossa própria natureza interior. O sábio é exatamente aquilo que ele é, e não precisa fingir que ele é quem ele mesmo não é. Isso pode parecer meio óbvio, mas é incrível a quantidade de ocultistas que estão permanentemente tentando ser alguém diferente de quem realmente são. A iniciação trata-se de sermos nós mesmos, trata-se de nos apropriar de nossa verdadeira identidade, o que exige, de fato, algum esforço e muito, muito exercício, quer dizer, disciplina.
Vida de yoga ou a prática do karma-yoga consiste em fazer a ação na forma de um oferecimento a Nuit e receber os resultados como vindos da própria Nuit. Essa maneira lúcida e discriminativa de tomar as decisões e encarar as situações da vida é a espinha dorsal do que é chamado de yoga. O yogī não é apenas a pessoa que executa um conjunto de práticas e disciplinas, mas aquela pessoa capaz de trazer o karma-yoga para o dia-a-dia. Como karma-yoga depende da apreciação de Nuit que nasce da exposição ao O Livro da Lei, podemos dizer que para todo thelemita O Livro da Lei é a essência do yoga.
Número de páginas | 120 |
Edição | 1 (2016) |
Formato | A5 (148x210) |
Acabamento | Brochura c/ orelha |
Coloração | Preto e branco |
Tipo de papel | Couche 150g |
Idioma | Português |
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